História breve de ANGUEIRA - Alguns tópicos.
Os tempos de pandemia e clausura permitiram cruzar-me com registos escritos da evolução do povoado de Angueira desde os tempos medievais até aos dias de hoje. A descrição detalhada da evolução de Angueira pode vêr-se na tese doutoral de M. I. Alfonso Antón (1983), com particular incidência nos Séc. XII-XIV. As aldeias de Angueira, Ifanes, Palaçoulo e Constantim constituem um bloco histórico único, com história singular e temporalmente paralela, que se enquadra no processo de colonização dos monges de Cister do mosteiro de Moreruela (ou Moreirola), em território que bordeja a Meseta Ibérica e é a interface do território dos domínios de Leão e Castela e da então emergente nação portuguesa.
Mosteiro de Moreruela |
Este conjunto de aldeias situa-se na zona raiana e a sua singularidade resulta das indefinições de fronteira e áreas de influência oscilante do Reino de Leão e Castela e da nação emergente Portugal. A discussão da questão dos foros (fueros) tem sido objecto de vários estudos jurídicos ( entre eles Vaz Serra, 1929) e continua sendo referência actual de investigadores deste período da Idade Média. A importância histórica destas aldeias deriva do facto da implementação e controlo duma organização administrativa incipiente, revelando os vários interesses envolvidos, destacando-se os vários conflitos daí derivados quer no domínio religioso quer temporal. Muitas vezes, o poder de então exigiu a intervenção dos mais altos poderes: régio, eclesiástico e até papal.
Pela primeira vez, e quiçá única, Angueira teve um plano baseado na sustentabilidade económica.
Esse plano atravessou várias gerações e regimes políticos, e acabou na década de cinquenta/sessenta do Séc. passado (1950/1960).
Irónicamente, as estruturas criadas pelos monges ainda hoje são (de modo geral) as existentes, andando o poder político actual apenas a gerir as ruínas das infra-estruturas por eles planeadas e deixadas. O ignorante e aldrabão Relvas e seus seguidores nada mais fizeram e fazem que não destruir obra feita. O actual poder, baseado na aldrabice do Relvas, apenas investe em palácios de burros e ao que se propaga pelos jornais, também agora em palácio de chifres. Aberração de historiadores, para os quais ao património histórico é letra morta, e diga-se, para abater.
A história é importante e o seu conhecimento é basilar para se construir um progresso visível. Antes de entrar no assunto propriamente dito desta nota escrita, é necessário conhecer o contexto de acordo com o acima exposto.
É sabido que o futuro rei português (1143)Afonso Henriques era filho de D. Henrique de Borgonha que era neto do rei Roberto II de França e de D. Teresa, infanta de Leão, filha ilegítima do rei Afonso VI de Leão e Castela e de Ximena Moniz. Intitulou-se imperador de toda a Espanha desde 1077 (Leão, Castela, Galiza) e rei das duas religiões (cristã e muçulmana) com a conquista de Toledo (1085).{Deixa-se ao leitor o percurso atribulado, libertino, violento e sanguinário, da conquista do poder por Afonso VI. Refere-se, de passagem, que a herança deixada por Afonso VI aos filhos, foi partilhada e acordado por estes no lugarejo histórico de Ricobaio. A ligação de Afonso VI, através do casamento das filhas com figuras da região de Borgonha, permitiu a ligação ao mosteiro de Cluny e posteriormente a entrada dos monges de Cister. Dada a influência destes em Roma permitiu acesso mais fácil ao Papado}.
A história (em documento escrito) regista que :
[Extracto da tese de Alfonso Antón, pag.316/319, em espanhol de fácil compreensão].
[Notar que: os termos villa e granja são praticamente equivalentes. Por extensão larga, próximo de povoado, aldeia.]
"Granja de Angueira.
Poblacion portuguesa muy cercana a la frontera, poseemos suficiente documentacion como para seguir los pasos de la ocupacion monâstica en esos lugares.
1246 - En ese año los. monjes compran a los descendientes de don Tello, primer propietario del lugar, la mitad de la villa ' de Angueira, junto a Ifanes y Palazuelo, otras dos poblaciones cercanas que estudiamos mâs arriba, por 380 maravedis (72).
1 2 5 6 - El monasterio compra a Sancha Laurenz y sus hijas dos partes de la cuarta de Angueira por 100 mrs. con tierras - casas, suelos, vasallos, montes... y con los derechos que tienen en la iglesia. (73).
1 2 5 6 - El monasterio compra a Maria Rodriguez la tercera parte de la cuarta de Angueira por 50 maravedis. La formula empleada al hablar de las pertenencias es la misma del documente anterior. (74),
1 2 5 7 — En este año los monjes compran a Alfonso Mendez de Bornes el sexmo de San Juan de Angueira, ademâs de très casales en Genicio, pagando por ello una buena mula. (75)-
1 2 5 7 — El abad Guterius concede fuero a los vasallos de su villa de Angueira, regulando, mediante las disposiciones siguientes, las relaciones entre ellos: (76)
-Se fomenta la viticultura (de las viñas que planten podrân retener très cuartas partes entregando la otra cuarta al monasterio),
- Se establece monopolio del molino, por cuanto solo podrâ construirlo el monasterio.
- Se fomenta la roturaciôn de nuevos campos "per saltus et nemora" .
- Se perciben diezmos de cultivo y ganaderia.
- El monasterio se réserva una parte para explotarla directamente. La existencia de la misma podemos deducirla de los siguientes datos: »
. Por las "geris" que demandan de sus vasallos para segar y recoger los cereales.
.Por su interés en la construcciôn y posesion del molino.
. Por los piélagos sobre la casa o granja del monasterio y el prado y la dehesa que se réserva imp diendo que nadie encienda alla leha o are,
1279 - El monasterio concede en prestimonio la villa de Angueira -para conseguir la de Genicio- (77).
1284 - Pleito por el que los monjes de Moreruela reclaman contra el caballero Ruy Paz por no respetar el cambio anterior. (78).
1309 - El abad don Jaime y el convento dan a Alvar Ferez Pons, durante su vida, todo lo que tienen en Angueira (79) y en su término con un yugo de bueyes y con pan verde y seco (ademâs de lo que tienen en Santa Cruz del Yerrao) por - 2000 mrs. y los derechos que el prestatario tiene en Rio Manzanas y en Santa Cruz que recibirâ después de la muerte de éste. Los monjes retendrân, sin embargo, los montes de Santa Cruz permitiendo que Alvar Pérez Ponz corte la madera que necesite para si y no para otro,
1321 - Por Bula de Juan XXII se confirma el patronato del monasterio sobre las iglesias de Ifanes, Constantino, Palazuelo y Angueira. (80).
Tenemos, pues, que los cistercienses de Moreruela irân - adquiriendo por compra la villa de Angueira de sus diversos proprietarios y una vez conseguida para regular sus relaciones con los habitantes de la misma, que pasan a ser sus vasallos les concede un fuero. Ademâs se réserva en la zona algunas tierras, piélagos, dehesas, etc., utlizando al menos para los grandes trabajos la mano de obra campesina de la villa, a la que exige ieras. Para la explotacion de estos bienes es seguro instala alli una granja. A veces se habla de nuestra casa de Angueira, y ya vimos que este es termine que se utilisa corne sinônimo de granja. Es posible que la explotacion directa como tal desaparezca al ser concedida la villa en pretimenio el año 1279. De todos modos, todavia en 1309 en que se cede a outro Caballero, vemos que el monasterio se réserva les montes de Santa Cruz. Lo que parece indicarnos que la dedicaciôn de la economia monastica hacia la ganaderia, al menes en esta zona, es primordial. "
A começar por 1246, os descendentes de Don Tello referidos no ponto I, aponta para o rei Dom Sancho, que doa grande parte do território de Angueira a Tello Fernandiz, com a assinatura de figuras proeminentes do Reino, por serviços prestados ao Rei. De notar, que na altura ainda sopravam ventos contra a invasão muçulmana e este território estava praticamente ermo.
{TEXTO em latim} -Doação de Dom Sancho a Tello Fernandis
In Dei nomine. Hec est carta donaciohis et firmitudines perpetue
quam iussi fieri. Ego Sancius Dei gratia / portugalensis rex, una
cum mea regina domna Dulcia et filius et filiabus meis. Vobis domno
/ Tello Fernandiz de illo nostro uilar quod uocatur Angueira
et est in terra de Miranda. Damus uobis hanc / hereditatem cum suis
terminis nouis et ueteribus sibut earn melius potueritis habere et
cum omnibus illis rebus / que nobis in ea pertinent, et concedimus
ut earn ut earn habeatis acque possideatis iure hereditario imperpetuum
et fa/ciatis de ea quicquid uobis placuerit. Et hoc facimus
pro bono seruicio quod nobis semper fecistis et facitis. Quicumque
igitur / hoc nostrum factum uobis integrum obseruauerit sic
benedictus a Deo amen. Nos super nominati reges qui hanc car/tam
fieri precepimus.coram subscriptis eam roborauimus et hec signa •
fecimus (signa)/ Qui affuerunt
(16 columna) ;
Maranus Braca(rensis) archiepiscopus cf.
Martinus Portugalensis eps. cf.
Petrus Lametensis eps. cf. .
Nicolas Visensis eps. cf.
Petrus ColinbrcHsis eps. cf.
{Assinaturas de entidades religiosas (arcebispo de Braga e vários outros bispos). Seguem-se outras assinaturas}
A compra por parte do Mosteiro de Moreruela aos herdeiros de Dom Tello também são conhecidos e até a importância envolvida na compra-venda (380 maravedis).
"1246-settiembre. Compra que hace el monasterio d Urraca Tellez y Sancha,,Urraca y Gomicio Perez, herederos de don Tello, de la mitad de Angueira de Miranda, junto a Ifanes y Palazuelo, por trescientos ochenta mrs."
Para os estudiosos, e em particular para os leitores de Angueira-Atalaia, estes textos requerem uma análise detalhada e não se ficar apenas pelo tradicional "like", "dislike". Permita-me a Snra. Fátima Malheiro, colocar-lhe um desafio. Com belas fotos, fotografe e registe todos os moinhos, os seus cantos e esquinas, as datas inscritas em pedras de xisto maculadas pelos temporais, e fixe em foto o abandono das sucessivas autoridades intemporais. A arqueologia dos moinhos e as rodas, telhados e os engenhos da força motriz. Os moinhos arruinados têm que regressar à vida. É possível, e de uma vez por todas, tal como foi possível erguer edifícios pela própria população, há capacidade interna da aldeia de Angueira para reconstruí-los. Com contributo de quem quiser associar-se a este movimento. E há dinheiritos da venda da escola, vendida à socapa, e de dinheiros da represa original (do tio Alfredo) que não lança água para regadio como deve, e da exploração das hortas ribeirinhas abandonadas e dos "pelágios" ou açudes que permitiram a criação dum dos melhores peixes de água doce do país. E do lendário lagostim de pata branca.
No texto seguinte, destaca-se parte do documento de venda, efectuada em 1256 por Sancha Laurenz ao Mosteiro de Moreruela por 100 maravedis (moeda de então). O maravedi (ou morabitino) era a moeda que circulava em Leão, à época.
- Nestas escrituras de venda, é referenciada a venda dos direitos sobre a Igreja ao Mosteiro de Moreruela e , enquanto tal, permite balizar a data da construção da Igreja e os seus proprietários iniciais.
- A complexidade das relações entre os vários poderes eclesiásticos (do bispo, do patronato das igrejas, da divisão das receitas entre eles) foi motivo de quesílias constantes entre os vários poderes eclesiásticos.
- De notar que os deveres dos vassalos para com a manutenção do eclesiástico da sua comunidade, permitiu revelar fenómenos da peste, tal como se refere nesta citação:
" E igualmente en 1362, fecha en la que réclama le sea ratificado ese mismo derecho a presentar clérigo dela raciôn que tiene en la iglesia de Riego, ante el temor de que quede vacante si viene la mortandad por cuanto los hombres son mâs naturales de morir que de vivir (43), frase que muy bien parece reflejar esa época de pestes de mediados del siglo XIV, y sobre las que no tenemos ninguna noticia."
A riqueza crescente do Mosteiro era essencialmente atribuível a doações dos seus fregueses, dos dizimos e rendimentos das explorações agrícolas. Há quem lhe atribua o desencadear de um capitalismo larvar, porém, em nada comparável ao sistema feudal que vigorava na Europa de então., o início da senhorialização do território, e na questão dos moinhos, o início do monopólio. A predominância da gestão do território viria a ser questionada, primeiro pela apropriação dos senhores da terra e mais tarde pelo domínio dos reis.
Uma das possibilidades de pertencer à comunidade monástica, residia no desejo de sepultura no Mosteiro desde que um terço dos bens, móveis e imóveis revertesse para o Mosteiro, após a morte. Tome-se como exemplo : "Igualmente Pedro Perez Tyo y su mujer dona Sancha se reservan durante su vida -la mitad de las rentas de la heredad donada de Palazuelo deMiranda " . Doações régias contribuiram, fortemente, para o desenvolvimento da colonização cisterciense, na zona norte raiana. O mosteiro admitia tanto a nobreza local como simples fregueses. É neste contexto que foram doadas ao mosteiro algumas casas, ainda hoje existentes. Com o declíneo da autoridade monacal, vão surgindo novos poderes, com a imposição do poder régio e/ ou seus delegados (cavaleiros). Uma contenda jurídica entre o cavaleiro Ruy Paz e o Mosteiro foi decidida por Dom Dinis, a favor do Mosteiro.
"Solo conocenos un prestimonio que tal vez pudiéramos -calificar de noble, en funeion no ya de la persona a*quien se -hace sino por el servicio mi]itar que lleva anejo. Se trata de -un pleito, auenencia y yemplazamiento por el que cl monasterio entrega a un caballero portugués en prestimonio la villa de Angueira con 100 mrs. annuales y en mamposteria los bienes que Moreruela tiene en Miranda y 30 mrs. annales para que los proteja y defienda como suyos proprios "(lealmente deffendades elas nostras cousas elas enparedes e as requirades e as demandedes assi comose fossen uossas c uos non seerdes poderoso de corner, nen de pedir,rien de tomar nenguna cousa aos nossos uassallos o quando noscbatfiarmos para nossa aiuda ou para nos so deff ondemento uos irdesa elo e nos proueermos uos de comer a uos e a uossos homees e a uossas besclias). A cambio el caballero Ruy Paz devuelve la villa de Genicio que tenia en prestimonio del mismo monasterio, y se -compromete a defender y protéger todas las posesiones de Miranda como si fuese su propio heredamiento "
Foto de A.F.M. ! Cor (Verdadeira ou manipulada?) |
O moinho da foto acima, embora também tenha tido como moleiro o "tiu Alfredo de l Molino", é o da Senhora, também conhecido como o dos "Deminguitos". Antes do "tiu Alfredo", foi o seu irmão mais velho - o "tiu Zé Burmeilho" - quem, durante muitos anos, foi o moleiro. Após a morte do "tiu Zé Burmeilho", creio que, intermitentemente, ainda fez de moleiro o "tiu Eiduardico de l Molino", irmão mais novo daqueles. O "Molino de l tiu Alfredo" era outro: o localizado entre o cimo da "Yedra" e o fundo de "Terroso", também conhecido pelo nome de dois irmãos o "tiu Antonhico" e a "tie Sabelica", ambos tios da "tie Amélia de l Molino", que residiam numa das duas casas - a de cima - mesmo junto ao moinho. Com a transformação do açude deste moinho em "represa" de abastecimento do canal de irrigação de Angueira - creio que nos anos 60 do século passado -, o "molino do tiu Alfredo" deixou de funcionar. Atualmente, da casa dos irmãos "Antonhico" e "Sabelica" restam apenas ruínas, mantendo-se a casa onde habitaram o "tiu" Alfredo, a "tie" Amélia e as suas duas filhas velhas (Anica e Rosa do Moinho), ainda em razoável estado de conservação, bem melhor que o do moinho, cuja parede nascente está já quase toda derrubada.
ResponderEliminarClaro como a água! Já foi rectificado!
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