domingo, 25 de setembro de 2011

Capela de São Miguel - Data de construção provável

Capela de São Miguel e o Mosteiro de Moreruela

A Capela de São Miguel está localizada num vale, abrigada de ventos extremos. Anteriormente, sugerimos que este vale poderia ter sido palco da refrega descrita pelo Abade de Baçal. A descrição figurativa desta refrega  encontra-se ilustrada abaixo, trabalho realizado  por R.F. Os elementos figurativos principais estão focados no cavaleiro principal, combatendo pelas hostes cristãs e na deposição das armas pela parte muçulmana vencida.
Batalha imaginada -Campo de São Miguel/Serro/Cocolha

 Na parte superior, está representada uma alegoria com o Arcanjo São Miguel e o diabo a seus pés e a representação das virgens no âmbito da guerra santa islâmica. A Capela idealizada pelo "general", em caso de vitória está representada também na alegoria.  A imagem de São Miguel existente na Igreja não está em sintonia com esta alegoria, já que a imagem da Igreja constitui um exemplo recente, em que o Arcanjo é substituído por um general romano. O diabo em forma humanóide, esse, é comum a ambas. Uma análise detalhada permite verificar que está a fazer jogo duplo. Aos mouros acena-lhe com as virgens e o ouro perdido, e quanto aos cristãos perverte o claro pensamento das mulheres representadas e do ouro resultante da captura e  da espoliação aos mouros. No fundo, são as lendas da moura encantada na fonte da Cocolha e o ouro que ela potencialmente encerra. Fantasias de pintor ou talvez não!

Fig.1 - Data da Capela (Porta de entrada)

A Capela de São Miguel tem , acima da porta de entrada, uma data, como se indica na Fig.2. A data escrita parece indicar 1282. O algarismo "2" poderá parecer um "7", alterando completamente a sua datação. Porém, parece-nos que a data correcta será "1282" que se encaixa no período da dependência de Angueira do Mosteiro cisterciense de Moreruela, pois a data do foro de Angueira é de 1297(carta foral). Recorreu-se a um programa de computador e sustenta a data indicada "1282", em desfavor de "1782", ou ainda"1787" dado o seu picotado. Pelos números se pode verificar que o artífice que trabalhou a pedra, não era eximio no tratamento da cantaria.  Em particular, o número "8" , adivinha-se pela sua simetria. Uma das normas indicadas no foro de Moreruela, permitia a sepultura em Angueira, recebendo o Mosteiro parte dos bens em troca, e provavelmente seria a zona envolvente da Capela o local do repouso eterno. Parece também ser claro que as freguesias de Palaçoulo e Àguas Vivas andam associadas à gestão religiosa de Moreruela, e como tal, seria normal que houvesse encontro das suas populações pela festividade de São Miguel.

Fig.2 - Visão parcial do Mosteiro de Moreruela.

Já referimos que não é totalmente claro se foi o Mosteiro de Moreruela  que deu origem à construção da Capela, podendo esta ser de data anterior. A questão prende-se com o citado" general" que segundo o Abade de Baçal teria sido o impulsionador da sua construção. Há um dado que escapa. Qual a fonte do ilustre Abade de Baçal, perito nestas andanças,  para fundamentar a sua versão? De facto, à época da importante influência do mosteiro de  Moreruela, já as lutas entre cristãos e mulçulmanos na zona estariam encerradas. Daí , se ter concluído anteriormente, para um período anterior como data da sua construção. Provávelmente, o Mosteiro teria contribuído com  o embelezamento da Capela que poderia ter sido tão somente a mudança da fachada principal para granito, em substituição do xisto que constituiria a capela original, certamente modesta como símbolo desses tempos. De referir que a pia baptismal (de granito) ainda se encontrava lá em tempos recentes.
Nesse período, em plena idade média, o pensamento religioso era provavelmente comum a todas as comunidades religiosas, sendo particularmente recorrente o tema do inferno, das almas e da concepção do Arcanjo São Miguel. Conceptualmente, não seria muito diferente de uma existente em Espanha (Fig.3)
da mesma época (Sec.XIII)



 Fig.3 - Capela de Seriguela (Sec.XIII).

Conclusão:  Para aligeirar o texto indicámos, apenas, os pontos capitais da Capela de São Miguel. A verdadeira história dos factos não se conhece ainda. Crê-se que os documentos do Mosteiro de Moreruela e o seu Arquivo poderão lançar mais alguma luz sobre a data da  sua fundação. Com base na história do general citado, enquanto eremita e guerreiro, poderia este  ter sido um monje templário? De onde vem a tradição dos cruzados, representados pelas crianças nas festividades religiosas ainda não há muito tempo? Qual a relacção entre os monjes de Moreruela e os monjes guerreiros? Sendo os monjes os detentores da cultura por excelência não saberiam eles coisas que não trasmitiram , comunicaram oralmente ou através da pregação. Não será  esta lenda, o eco desses factos? Angueira era uma Comenda da Ordem de Cristo. Qual a sua origem?  Eis um bom tema para um estudante de história da regiâo. (VE_2011).

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Capela de São Miguel - General e batalha

A personalidade do general

Os termos "General"  e " batalha" que constam do texto referido anteriormente requerem uma certa atitude crítica, na medida em que é comummente aceite que "General" comanda um exército de grandeza considerável e consequentemente estariam envolvidos dois grandes exércitos. Ora não parece ter sido o caso, como tentei sugerir, dado que a zona de Angueira faria certamente parte de uma faixa envolvente da via de circulação principal dos exércitos, em torno das vias romanas. A via da Prata que ligava Mérida a Astorga seria, portanto, a via de circulação principal e que os muçulmanos utilizaram a partir do Sul de Espanha para atingir a parte Norte da Peninsula, em direcção a Santiago de Compostela. Estes movimentos militares são mais ou menos bem conhecidos. A partir do declíneo do poder romano e com a chegada dos bárbaros-Suevos, é natural que toda a zona tenha entrado também em declíneo, com degradação da vida alcançada pelo Séc.III. Paulatinamente, os Suevos foram-se implantando no Norte, com capital sediada em Braga. Dada a característica deste povo migrante, viria a ser dominado por outro povo afim - Os Visigodos, que fizeram de Toledo a sua capital e acabariam por dominar os Suevos. O carácter belicoso dos Suevos para com as populações locais, acabou por envolver directamente o poder religioso na contenda em defesa das populações, tendo-se destacado o Bispo Idalécio de Chaves. Ora no seio da Igreja existiam várias contendas religiosas, derimidas nos Concílios. Esta perturbação deu origem a uma certa dissolução de poder e consequente insegurança das populações. Ter-se-ão vivido tempos conturbados desde as invasões bárbaras até a invasão muçulmana ocorrida em 711. Esta invasão muçulmana foi fulminante, pois, em poucos anos tinha assumido o controle de grande parte da Hispânea, devido à desordem e debilidade do Reino visigótico.
Uma nova realidade,cultural, política e religiosa, estava a instalar-se na península ibérica: designada por El-Andaluz. O poder remanescente do poder visigótico  foi o núcleo inicial da resistência ao poderio muçulmano.O que restou do reino visigótico ter-se-ia organizado nas Astúrias, acontecendo o primeiro embate entre Cristãos e Muçulmanos em Covadonga. As populações começaram por aceitar a situação, pois entre um poder e outro venha o diabo e escolha. Foram tolerantes quanto à religião no início, mas impostos e rendas pesadas sobre os cristãos ajudaram ao movimento organizado de rebelião: A Reconquista. Em traços muito largos, com a morte de Afonso III das Astúrias, os seus filhos partilharam o território, vindo o seu filho primogénito Garcia a intitular-se Rei de Leão (910-914). Por exemplo, Rabanales aparece citado num documento de Afonso III.  Entretanto o centro decisório passou das Astúrias (Oviedo), para a cidade de Leão. Zamora foi repovoada no ano de 912, e terá sido por esta altura que se teria revitalizado esta região. É neste contexto, que a influência leonesa se estende à zona de Angueira, trazendo consigo a matriz da língua mirandesa. Nesta indefinição, a possessão desta vasta extensão territorial era dominada pelos Bragançãos, com grande peso e influência política no reino de Leão. Estes Bragançãos iriam ter uma grande importância no nascimento da nacionalidade com D. Afonso Henriques. Não detalhámos a evolução político-militar do Reino de Leão e Castela, pois o nosso objectivo primordial é tentar saber em que contexto poderia ter surgido o citado "general". Dentro da problemática do Reino de Leão, procurou colmatar-se o despovoamento de algumas zonas com a vinda de populações francesas, da Borgonha, ao que parece com excesso de população e garantir a sua defesa por intermédio das Ordens Militares. Alcanices foi uma defesa muralhada da Ordem dos Templários, dela dependendo ainda em 1210. Da muralha apenas resta a Torre do Relógio. Transitou de mãos quando da extinção trágica da Ordem.
Do bom relacionamento político do Reino de Leão com o condado da Borgonha, acabou por vir neste pacote,  o pai de D. Afonso Henriques, com casamento aprazado com Dona Teresa.  Dona Teresa tem sido maltratada, por vezes, mas foi a genuina motora da criação de um reino próprio seu, sob o qual ardentemente desejava ser futura rainha. Lutou, sendo seguido neste caminho pelo Infante Afonso Henriques. Divergências políticas colocaram-nos em confronto (batalha de São Mamede), sob a influência religiosa do Arcebispo de Braga.
Do meu ponto de vista, este é o factor relevante para a conjectura sobre o General que tentarei fundamentar. Desde Salamanca, a via da Prata dirige-se para Zamora, daqui podendo derivar para Bragança, através de Alcanices. De notar que a unidade romana de distância entre as "mansões ou paragens" era de 42 milhas romanas, que corresponde a 62 Km actuais. Estas paragens acabaram por transformar-se nos núcleos centrais das cidades actuais : Salamanca, Zamora e Benavente entre outras.
Os costumes e a espiritualide religiosa de Cluny prevaleceram durante o reinado de Afonso VI (1065-1109), imperador de toda a Hispânia e conquistador de Toledo em 1085. As sortidas militares e o seu avanço para o Sul, forçou os reis muçulmanos das taifas  de Granada, Sevilha e Badajoz a pedir ajuda aos Almorávidas. As investidas cristãs eram ,em geral, parceria de vários reinos cristãos e de reinos muçulmanos aliados. Destaca-se El Cid na liderança das hostes cristãs. Porém, Afonso VI foi derrotado pelos muçulmanos na célebre batalha de Zalaca (1086). Avanços e recuos das forças cristãs, tornavam todo o território hispânico inseguro e instável.  Esta instabilidade permanente desde o Sec. VII até ao XI, conduzia em termos religiosos a um certo isolamento do mundo real, ou seja o fenómeno eremita era bastante frequente e admite-se que a associação de alguns poucos eremitas estivessem na origem de pequenas capelas ou lugares de culto onde fosse possível praticar e assistir a actos religiosos fundamentais.
Os acontecimentos do El-Andaluz e do avanço da religião muculmana ao continente europeu  vieram despertar algumas consciências europeias, tornando-se os pensadores proeminentes da Europa, em particular  São Bernardo de Claraval. Ora este Santo procedia de família influente do Condado da Borgonha, tal como D. Henrique da Borgonha. Há aqui laços familiares com D. Afonso Henriques que alguns historiadores consideram relevantes, por duas ordens de razão: o aspecto religioso e o militar. Sem entrar em pormenores, Angueira acabou por ser associada ao Mosteiro de Moreruela - cistercience (parte religiosa e organização económica) e D. Teresa (1127) foi a primeira doadora de bens à Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão-Templários (Fonte Arcada em Penafiel, seguida de Soure), estatutos que São Bernardo redigiu. Distinguiu-se na tomada de Jerusalém (1096) aquando da 1ª. Cruzada. Esta ordem contava apenas com 9 membros em 1118, transformado-se numa organização poderosa, temida e invejada,em menos de 200 anos.  A implantação dos mosteiros cistercienses em Espanha parecem ser de data tardia, mas estes mosteiros tiveram uma influência capital no repovoamento e na defesa cristã  contra os mouros. Os Templários de Alcanices deram o seu contributo para a defesa, sendo apesar de tudo uma fronteira mais ou menos segura, àparte as investidas das hostes muçulmanas. O próprio Afonso Henriques foi armado cavaleiro em Zamora (1125), e segundo alguns historiadores era um dos Templários. Os Templários sofreram uma pesada derrota em Soure, vindo D. Afonso Henriques a doar-lhe Tomar (1159), sendo seu primeiro mestre Gualdim Pais. D. Afonso Henriques não apenas recorreu aos Templários como componente defensiva do território cristão (inseguro a partir de Coimbra) mas como parte integrante de conquista.
A Ordem foi extinta em 1307 por Filipe o Belo em França e o seu Gão Mestre, julgado e condenado à fogueira.  Os seus membros dispersos e perseguidos, tudo sob o beneplácito do Papa Clemente V. Houve uma excepção de desobediência inteligente à ordem de Filipe o Belo, respaldada pelo Papa Clemente V. O então Rei de Portugal, D. Dinis, que conseguiu convencer o Papa Clemente V que os Templários em Portugal seriam enquadrados por uma nova Ordem - A Ordem de Cristo, dando assim protecção aos cavaleiros templários foragidos e impedindo a confiscação dos seus bens com base numa argumentação jurídica da sua posse. Os bens dos Templários seriam da Coroa, conservando eles apenas a sua delegação de posse. Quão distante estamos dos yes-man dos tempos de hoje!
Regista-se o fragmento do texto que refere o aparecimento de uma lança nas imediações da Capela de São Miguel, e que faz também parte do património histórico de Angueira e depositado no M.A.B.
Conclusão:  A conjectura sobre a personalidade do general referido enquadra-se nos primórdios da nacionalidade portuguesa, sendo do nosso ponto de vista dar como data possivel em que esses acontecimentos tenham ocorrido no intervalo : 950-1140. O artigo indicado anteriormente, deve ser ele próprio, inspirado nos escritos ou transmissão oral do Mosteiro de Moreruela (?documentos). Sabe-se que o Museu Abade de Baçal possui o fragmento de um  objecto - lança encontrada nas imediações da Capela. Ora se houve uma batalha, deve haver vestígios e, por informação de um conterrânea, há vestigios de achados não totalmente explicados nas imediações. A referência a eremita poderá ter a ver com os votos da Ordem (castidade, pobreza, obediência), e do monje -militar, o da defesa da cristandade , não só dos mouros como de simples salteadores. Dada a complexidade deste tema, não deve descurar-se a leitura da bibliografia sobre estas questões.

Para finalizar, uma outra questão se levanta: o da provável edificação da Capela original. Tudo leva a crer, que sofreu várias reconstruções ao longo dos anos, estranhando-se o facto dos monjes de Moreruela - tão diligentes na escrita das normas do Foro de Angueira, não se refiram a esta questão.Voltarei ao assunto (V.E._2011).

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Capela de São Miguel - Enquadramento histórico - II


A fundação da Capela de São Miguel (Angueira) perde-se na bruma dos tempos. A historiografia da região do Noroeste Peninsular, desde a época romana até ao Séc. XI-XII tem tantas lacunas que não poderá haver certezas quanto à data da sua fundação. Portanto, a nossa visão sobre a Capela de São Miguel tem que se apoiar sobre várias premissas e sugestões, nem sempre de fácil validação. É, todavia, este desafio que nos estimula na abordagem deste tema, e onde não há certezas, há sempre a possibilidade de discutir hipóteses plausíveis e fundamentadas.
O Abade de Baçal, homem culto e letrado, admite como plausível a hipótese da existência do referido general, não fazendo porém um enquadramento histórico possível dos acontecimentos em que foi líder militar. É sugerido um enquadramento político-militar, envolvendo batalhas entre cristãos e mouros. Ora isto poderá significar o lato período da Reconquista, não só o período de ascendência do reino cristão do Norte bem como o período posterior da manutenção baseado em ordens religioso-militares como os Templários. Há dois conflitos evidentes: A fundação da Capela não significa necessáriamente a data em que teria ocorrido a batalha e, portanto, ser contemporânea do general em causa e a explicação do aparecimento da lápide (assente no jardim de Angueira) que, segundo a minha opinião está no local errado (Vale de São Miguel) dado que aparecem as letras "D.M.", de natureza manifestamente romana, não cristâ. Existe a possível explicação da sua anteriormente reutilização, tendo sido transportado da Cocolha  para o Vale de São Miguel. É uma operação, conhecida e frequente.
Nada impede,também, que não caia na plausível época da reconquista. Não é de excluir liminarmente a eventual fundação no periodo visigótico-cristão.
Antes do mais discute-se se esta região, tal como a de Aliste, pertenceu à zona de influência dos Astures ou dos Vaceus. De qualquer modo, os rios de capital importância são: o Douro e o Esla. Para fixar ideias, refere-se as datas importantes da Romanização da zona particular de Angueira (contígua a Aliste) e que nos permite também esclarecer a influência do poder religioso nesta região. A penetração dos Romanos nesta área anda associada às campanhas bélicas de Roma contra a Península e da procura intensa de metais preciosos (ouro e prata) que faziam, na época, da Peninsula Ibérica o maior produtor. Admitindo o rio Esla como limite ocidental, Aliste e a zona de Angueira estaria associada aos Astures e não aos Vaceus. A divisão administrativa de Augusto, cerca do ano 27 (A.C.), pertencia à Espanha Citerior ou Tarraconense, no convento jurídico de Asturica. É desta época a Tessera das gentes dos Zoelas, actualmente em exposição no museu Abade de Baçal-em Bragança. Daqui decorre a importância histórica de Astorga, para esta região. Os Astures resistiram e deram luta tenaz e persistente aos Romanos, obrigando-os a fazer dois assentamentos militares para a manutenção da paz na região (Legião VI Vitrix -perto de Braga, Legião X Gemina em Astorga e pouco depois em Rosinos de Vidriales (Zamora). Esta região funcionava como zona tampão para os Astures, garantia o acesso às zonas auriferas, funcionava como via alternativa da circulação militar e servia de recrutamento de tropas auxiliares nativas.
A implantação da Capela de São Miguel prende-se, então, como uma consequência lógica de uma zona de aparente bom entendimento entre Romanos intrusos e nativos, permitindo estes um certo entendimento e fácil passagem da circulação militar. Refere-se o caminho mourisco, ligando Rabanales ao Planalto Mirandês com passagem perto de Constantim. Ora é fácil mostrar que este caminho admite alternativas, com particular focagem numa possível passagem por Angueira, em direcção ao Planalto Mirandês. Só que cada um vai puxando a brasa à sua sardinha. Embora o Castro da Cocolha tenha sofrido uma degradação brutal ao longo dos tempos, ainda é possível observar escórias de ferro por todo o lado, e que poderão estar associadas (ou não) a certas infra-estruturas requeridas para o transporte de bens, gente e circulação militar. A via principal Braga-Chaves-Astorga andava associada a várias vias secundárias entre elas a derivante Bragança-Babe-Rabanales... Astorga.
A zona de Aliste e o Planalto Mirandês permitia ter acesso a Lamego (Lamecum), bordejando o Douro com relativa segurança.
 Com a derrocada do império romano ocidental, o poder político desta zona  passou para o Reino Suevo com capital em Braga (409-429) e que culminou com a vitória dos Visigodos que fizeram de Toledo a sua capital, sendo incorporada por Leovigildo cerca do ano 585. A invasão muçulmana ocorreu no ano 711, tendo o lider berbere Tariq vencido o Rei D. Rodrigo na batalha de Guadalete. Nesta altura, Bragança e a zona fronteiriça de Aliste navegavam debaixo das mesmas bandeiras e das mesmas espadas afiadas, ou quase, até ao aparecimento da separação das zonas de influência politico-religiosa  e definição de fronteiras. Aliste esteve sob jurisdição ora de Braga ora de Astorga. Com o nascimento do Condado Portucalense e a liderança de Dona Teresa, casada com Henrique  da Borgonha (françês), e filha de Afonso VI, Aliste viria a ser reivindicada como parte integrante da herança de seu pai. Viria a conseguir esta pretensão em 1125, com o apoio e ajuda do Arcebispo de Santiago de Compostela. Nos Séculos IX e X, Astorga reclamou este território,  aproveitando-se da devastação de toda a zona de Braga.
Conclusão : A implantação da  Capela de Sâo Miguel deriva, de modo indirecto, da  importância estratégica atribuida pelos romanos a esta zona, por estar perto das vias principais de acesso militar à Peninsula Ibérica. É, na verdade uma zona periférica, mas foi em torno deessas vias que iriam desenrolar-se acontecimentos históricos importantes. Foram, também, estas vias utilizadas pelos exércitos muçulmanos para a invasão da hispania. As datas apontam para 718, como o ano de eleição de Pelayo e a derrota dos Muçulmanos em Covadonga em 722. A provincia de Zamora e Bragança só será recuperada muito tempo depois, tendo a Reconquista sido completada por Afonso III. Este reinado durou de 866 a 910. A zona de separação bem definida entre Cristãos e Mouros estava por esta altura enquadrada pelos rios Douro e Minho, em toda a sua extensão, com enclaves até Coimbra. As refregas e batalhas eram, na época recorrentes e é, neste contexto, que se cita no texto antigo a referência a uma batalha liderada por um grande general. Do meu ponto de vista, tratar-se-ia de simples refregas envolvendo um número não muito elevado de combatentes, cujas batalhas importantes e traiçoeiras ocorriam ao longo e nas grandes vias de comunicação em torno da Via de La Plata com o objectivo último da imposição da religião muçulmana a toda a Península (e não só) e a tomada do simbolo religioso cristão, por excelência: Santiago de Compostela.
Neste óptica faz todo o sentido enquadrar o escrito antigo nesta problemática da Reconquista. Há, porém, uma nuvem no horizonte. Acontece que o Reino Visigótico aderiu ao Cristianismo e existe um monumento quase único em toda a Espanha onde os Visigodos deixaram a sua marca : A Igreja de San Pedro de La Nave (próximo de Zamora, Aliste). A marca das rosáceas encontradas nas lápides em São Miguel também  estão registadas na pedra em San Pedro de La Nave. Será que a Capela poderá apontar para a influência visigótica - Sec VII? Embora não sustente esta hipótese, não me parece também descartável.

domingo, 11 de setembro de 2011

Capela de São Miguel - Ecos longínquos

Capela de São Miguel_Arcanjo - I

A capela de São Miguel (Arcanjo)  faz parte do património cultural da povoação de Angueira, dificilmente separando lenda e realidade. A tradição oral nem sempre regista factos reais, mas permite perscrutar, no tempo, os ecos longínquos de acontecimentos ocorridos num passado remoto. O lugar em si - Prado de São Miguel - transporta este lugar a um patamar elevado, de religiosidade, de respeito e memória colectiva local, que roça o antigo conceito de santuário para os povos primitivos, muito anteriores ao surgimento das nações ou da fé cristã. Todos estes ingredientes andam aqui associados. A abordagem deste tema visa a separação, pelo menos parcial, entre lenda e realidade, no que a esta pequena mas valiosa capela concerne. É desconhecida a data exacta da sua fundação e, do que se conhece, a informação chega distorcida ou falseada. Refere-se frequentemente o ilustre bragançano Abade de Baçal, sem todavia se analisar a fonte de informação em que fundamentou a provável existência de um general sepultado na entrada desta  Capela. Vamos procurar contribuir para uma melhor compreensão deste assunto, começando por rever o livro Notas Monográficas de Vimioso de Frabcisco Manuel Alves (Abade de Baçal) e Adrião Martins Amado, E#d. Coimbra (1968). Em notas de rodapé, estão indicadas todas as fontes escritas, consultradas.Nele se faz alusão a um general (de nome desconhecido) que estaria sepultado no adro da citada Capela. Não é claro se o Abade de Baçal teria estado em Angueira ou não (mas deve constar dos seus apontamentos, por certo). Os dados constantes sobre Angueira foram recolhidos provavelmente por um seu colaborador - Padre/(Dr.)  Amado com ligações pessoais à família da Professora Primária da época, responsável pelo ensino e aprendizagem das primeiras letras pela maioria dos nossos conterrâneos (e quiçá do próprio que rabisca este texto).
Intrigado pelo facto do ilustre Abade deBaçal referir este general, com tal detalhe, leva à questão:" Como pode ter chegado a tal conclusão?". A resposta, que para um historiador seria trivial, reside num livro muito conhecido e antigo - " Corografia portugueza e descripçam topográfica do famoso reyno de Portugal,1706-1712, P. Luis Cardoso". Para evitar todo e qualquer tipo de deturpação da informação, transcreve-se as páginas onde Angueira é descrita e que permitem o contraste com os escritos do cunho pessoal do Abade de Baçal , a saber

Pag.1 -Descrição da Serra de Angueira/Angueira

Pag.2 - Descrição da história de Angueira .
É este texto que terá constituído a base da informação em que se apoiou o Abade de Baçal.
 Todavia, à luz de novos factos e do conhecimento actual, este texto é bastante limitado em termos científicos, nomeadamente orográficos, e em si também denota como a informação compilada para o livro foi conseguida (inquéritos). Como pano de fundo, a informação foi veiculado pelos homens mais cultos dos lugares (curas) e merecem confiança no que respeita a lendas e tradições antigas, embora sejam limitadas em termos de verdade última de acontecimentos passados. Por exemplo, a descrição da Serra de Angueira é bastante limitada em termos de precisão geográfica, mas indica claramente a sua fauna, especificando todos os animais de caça grossa.
 Sobre a história passada de Angueira tem como limite os"Mouros" para designar povos anteriores e associa a construção dos castros aos Mouros, que se sabe não ser verdade. Portanto, é necessário lêr criticamente todo o texto. Nele se refere, também que Angueira pertencia (à epoca) ao Bispado de Miranda do Douro. Mas este foi criado, politicamente, para combater a demasiada influência de Braga. A política não foi inventada hoje, sempre esteve presente em toda a actividade humana.
Este documento é, todavia, de uma grande importância, já que refere ecos longinguos de batalhas travadas anteriormente, regista os locais de combate, assinalados por grandes cruzes (excepto a de Cruz Branca referida). Lamentávelmente, não houve até agora um estudante/s de história que pegasse neste tema (e que seja do nosso conhecimento).
Vamos prosseguir a análise deste documento, em artigos que se seguirão. É necessário, para uma melhor compreensão desta Capela e de toda a sua envolvente: batalhas, povoado medieval,origem das procissões religiosas, e uma infinidade de questões mal resolvidas e explicadas.È este o fundamento para se reclamar a protecção do seu espaço natural por parte da C.M. de Vimioso.

Conclusão:  É indicada a fonte e a descrição original da Capela de São Miguel (Arcanjo). Manifestamente, a sua fundação está associada a acontecimentos guerreiros entre cristãos e mouros, que quiçá aponta para o período da Reconquista. Porém, existem factos inexplicados quanto à data da construção original (primitiva).A Capela actual não reflecte a natureza original, certamente modesta, como resultado da invasão bárbara do betão e do cimento. A sua história declinou por incúria dos homens, da premente necessidade de novos campos de cultura (justificável) e da avidez intolerante da possesão privada, não respeitando sequer as memórias colectivas dos seus mais proeminentes membros. A C.M. de Vimioso dormiu, deixando a gestão de um valioso património em roda livre. Assim estámos. 
Aplaude-se vivamente, porém, a iniciativa actual da reactivação das festividades, complementadas com as medidas necessárias e imperativas de reactivação da Capela ao seu antigo esplendor: devolução/compra de terrenos contíguos à Capela e sujeitos a toda a devassa, bem como a indagação do destino de achados recentes.
Dado que este texto já é demasiado longo (os bit e os byte também contam),  deixaremos para a próxima oportunidade a nossa interpretação do enquadramento político-militar e religioso em que teria sido construída. Como nota final, note-se que há  sob a designação:"ANG" algumas descrições de Angueira.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Fíbulas de Angueira -Tentativa de enquadramento cronológico.

Este texto pretende, em primeiro lugar, dar a conhecer e registar o património material e imaterial de Angueira. Não se afigura fácil, na medida em que os próprios artefactos registados tal como a Fíbula de ponte descrita em texto anterior carecem de um estudo aprofundado, em termos cronológicos, de caracterização dos elementos metálicos que a compoem e, enfim, a sua tipologia. Porém, estas dificuldades  são comuns neste domínio. Invariavelmente, a resposta a esta e outras questões aponta para um estudo exaustivo em termos arqueológicos de todo o monte da Cocolha, e sem qualquer tipo de ambiguidades, feito por peritos na matéria.  O IGESPAR reconhece a existência desse património, refere nomeadamente o Monte da Cocolha (sob o nr.de registo CNS -4590, tipo  Povoado Fortificado, Estado de conservação: Mau).  A informação indicada não estará completa, e torna-se necessário rever a literatura indicada neste registo do IGESPAR, bem como certos aspectos recentes da florestação no local.
Na ausência de perspectivas de exploração arqueológica imediata, resta um estudo comparado das fíbulas encontradas em castros da região (Espanha e Portugal). Fundamentada esta orientação, vamos descrever em termos sintéticos o estádio da descrição de fíbulas por peritos vários. O assunto é matéria de controvérsia acesa entre estes peritos, e as conclusões contraditórias entre si. Por isso, a nossa própria análise não está isenta de erro, e portanto, só poderá  valer como evidência relativa, e como conhecimento fornecido aos conterrâneos da existência e localização actual do seu património.
Fig.1-Fíbula de ponte encontrada na Cocolha(Angueira)

Seguindo a  trajectória da Fíbula de Ponte convenientemente descrita (J. Fortes) e cuja foto está inserida no texto anterior e no presente, levou-nos a uma visita efectuada ao Museu Abade de Baçal, local de exposição permanente. Ora a nota descritiva dos artefactos - fíbulas expostas refere "Fíbulas do Castro da Cocolha", ou seja plural, o que significa que existem duas (ou mais) e não uma fíbula. H, portanto, necessidade de esclarecer este pormenor. O panorama muda se existir na mesma fíbula , o metal ferro e o bronze. Além do mais não estão convenientemente referenciadas na vitrine de exposição (V.Fig.1).Este simples registo, permite dar uma aproximação significativa, em termos cronológicos e de tipologia. Em geral, dá-se como aceite que o Castro da Cocolha pertenceria ao povo dos Zoelas, mas este facto não contradiz a flutuante zona de influência e  intercâmbio cultural e comercial, característica de zonas limitrofes de fronteira.
Feito este pre-âmbulo, remetemos para os extensos escritos de Armando Coelho  F.S., e seus colaboradores sobre este tema e outros afins.
A fíbula é um artefacto, de uso pessoal e carácter decorativo, e em certa medida um carácter distintivo de quem o utiliza. Permite inferir dados  sobre a comunidade que os utilizou e/ou os produziu ou comercializou. A fíbula em causa é descrita como do tipo transmontano. Se foi produzida ou não no Castro da Cocolha depende da informação complementar que certamente ainda permanece escondida no Castro da Cocolha. Estranha-se o posicionamento do Igespar,admitindo omo facto consumado a degradação recente do seu perímetro, e não impondo regras claras para a sua manutenção, ao menos, no seu estado actual. Joga-se também o interesse das populações em termos económicos. Tal como os romanos aí interferiram, não foi à procura de produtos resultantes da comercialização da pastorícia, mas dos metais de mais valor acrescentado. Ora o interesse actual, aponta para a conservação do património histórico e cultural como um dos factores de desenvolvimento. Mais quatro pinheiros plantados nada resolve, e além do mais, os pinheiros actuais não têm sequer saída comercial. Sobre este aspecto, estámos conversados: Estado de conservação: Mau! Péssimo, diria, qualquer um!
J.Fortes (1904) emitiu ã opinião que as fibulas do tipo "transmontano, de largo travessão" dificilmente se poderiam classificar como anteriores ao periodo da romanização. Segundo este autor, estas fíbulas poderiam ser datadas dos Sec.I e II da nossa era. Porém, esta opinião não é partilhada por outros autores, e a data poderá varrer o período de IV Sec.(AC) até o Sec. II, (D.C.). A. Coelho parece apontar para o Sec.II (A.C.), 138 anos (A.C.) - associada de algum modo à campanha militar de Décimo Júnio Bruto na Península, ideia partilhada por J. Fortes num caso específico, e que poderia resultar de um processo de comercialização.  Esta fíbula foi também objecto de estudo de caracterização metálica (%Cobre (Cu), %-Chumbo(Pb); %Estanho (Sn)) de Salete da Ponte M. A nossa perspectiva não está voltada, nesta fase, para esta controvérsia, mas tão somente, indagar onde para o património histórico de Angueira. 
O eventual achado de moedas no local poderia contribuir para o esclarecimento desta e doutras questões, mas isso só se conseguirá através de escavações orientadas no local, sob responsabilidade directa de autoridades competentes na matéria.
Refere-se, de modo recorrente, ao achado de moedas no local ,até pelo Igespar. Tal como fizemos até aqui, vamos tentar localizar o seu paradeiro. Cremos, que serão mais as vozes que as nozes.

Conclusão: A fíbula referida permite confirmar que já nos distantes anos dos Sec. I e II (A.C.) existiria uma certa diferenciação da comunidade local, em termos de classe social, e já se estaria longe do primitivo igualitarismo de uma comunidade agro-pastoril. A certeza, pelos vestígios abundantes, de escórias de ferro levanta uma questão sobre o grau de desenvolvimento dessa mesma comunidade. A recorrente e sistemática  delapição do património aponta para os já longínquos anos do fim do Sec. XIX e início do Sec.XX (1900), onde a febre da procura do "minério" da Cocolha começou e de que há registo. Áparte o propalado achado (mas nunca confirmado, por via directa ou indirecta), do célebre objecto de ouro não consta que alguém tenha enriquecido por esta via, por oposição ao trabalho  árduo e constante, ao longo dos anos.
Este texto não tem carácter definito e absoluto, pelo que está aberto a todas as sugestões e críticas (via comentário).