quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Angueira e a nova Reforma Administrativa...

Mais uma reforma administrativa!

Os tempos que correm são de mudança permanente. Para quem estiver interessado, consulte a proposta do actual governo. Este texto é uma pequena e breve introdução, não a essa proposta governamental, mas a anteriores reformas administrativas. Não se pretende analizar todas as reformas, mas apenas fazer uma pequena referência à gestão administrativa de Angueira, desde tempos antigos até ao presente, e deste modo, fundamentar  a escolha que, porventura, seja democraticamente apresentada ou rejeitar qualquer arbitrariedade de uma imposição forçada.

I - A governação de D. Dinis prestou grande importância a dois factores : povoamento do território e  defesa do reino. O tratado de Alcanices veio definir, em definitivo, as fronteiras até aí com interesses difusos do Reino de Leão. Como Angueira faz parte do território fronteiriço, constituiu local de interesse no que respeita aos dois factores mencionados: a delimitação precisa do território nacional e o enquadramento no esforço da defesa do reino, com a construção de castelos como o de Algoso. D. Dinis elevou pequenas localidades fronteiriças transmontanas a municípios, numa perspectiva de desenvolvimento do território, aglutinação e coesão  e simultaneamente da sua defesa.
  • Desde o príncipio da nacionalidade até ao reinado de D.Dinis, a administração do território e o seu povoamento foi assegurado pela concessão de forais, cartas de couto atribuídas a prelados e suas Sés, Ordens religiosas monásticas e ordens militares e doações a indivíduos. Já referimos, o castelo de Soure, doado por D.Teresa aos Templários e reconfirmado pelo Infante Afonso Henriques. D.Afonso Henriques seguiu de perto mas não totalmente a política da mãe no que respeita ao povoamento e administração, de acordo com as potencialidades naturais onde se enquadravam. D. Afonso Henriques priviligiou as cartas de couto e doações a particulares. Angueira surge num pacote generalista do Mosteiro de Moreruela, localizado próximo da actual fronteira e sob influência política global do Reino de Leão. O conceito nacionalista não era, à época, o dominante e permitiu que o mosteiro de Moreruela compre Angueira e prevê que regulamente administrativamente a sua actividade económica, povoando, distribuindo terras, desenvolvendo, estabelecendo os príncipios mínimos de justiça e cobrança de impostos [V. fuero de Angueira (1256)]. Construção de moinhos e actividade piscatória são referenciadas no foro. As represas existentes que ainda hoje cumprem a sua função de  regularização do curso do rio são obra dos primeiros moradores e construidas sobre o saber técnico do Mosteiro de Moreruela [da ordem de Cister, França]. A política de D.Sancho I (1185-1211)  inflectiu a política anterior da outorga de cartas forais a Mosteiros e Ordens Militares, voltando-se para o aforamento ( 58 doações a particulares) de terras reguengas sob dependência directa do rei e dá início a um periodo de grandes tensões com os Eclesiásticos, dando assim origem a outros tantos municipios.
  • O movimento centralizador desenvolveu-se mais ainda com D. Afonso II (1211-1223) criando 28 novos municípios e com a atribuição de 92 foros por D.Afonso III (1246-1275), cobrindo grande parte do território nacional, Algarve incluído. Este rei trouxe de França novos conceitos e ideias, introduziu uma nova moeda, estando porém, limitado pelo acordão com Afonso X de Castela (em 1253) por causa do Algarve e , internamente, debilitado pela hierarquia eclesiastica devido a bigamia.
  • Segue-se D. Dinis (1275-1325), que no seguimento de D.Afonso III, teve que impor ordem na pressão exercida pela nobreza e poderosos homens leoneses sobre a fronteira de Trás-os-Montes, onde Angueira se enquadra. Leão estendia os seus tentáculos e influência à zona fronteiriça transmontana, desrespeitando quase de modo ostensivo o poder real português sobre esta zona (Inquirições de 1258).  Angueira (freguesia a abater!) está particularmente bem documentada neste período e os conterrâneos não imaginam que  poucas povoações se podem orgulhar de semelhante história. Para sanear de vez a luta (sem sentido...) de São Martinho de Angueira, a história é semelhante com a diferença de que São Martinho de Angueira viria a depender do Mosteiro de São Martinho da Castanheda (lago de Sanábria), de onde viria a tomar o nome (São Martinho). Têm de comum o facto de serem exploradas pelo mesmo poder, pagando impostos quase aos mesmos personagens. Angueira anda associada às aldeias de Ifanes, Constantim, Palaçoulo, Águas Vivas já que D. Sancho I (em 1211), cedeu este conjunto de aldeias fronteiriças  para povoamento ao Mosteiro de Moreruela, vindo esse povoamento a realizar-se alguns anos mais tarde.  Avelanoso e Serapicos,aldeias contíguas, foram povoadas pelos frades de Alcanices (Templários)   tendo um percurso distinto.
  • Angueira tornou-se conhecida  mais tarde pelo facto do choque de influência e poder (monástico de Moreruela) e o poder régio português, com processos judiciais  e contendas frequentes, com repercussão ao mais alto nível político da época.
  • Curiosamente, o foro de Angueira estipula, com certa precisão, a sua governança: actividade judicial, económica, pagamento de impostos (pelo São Miguel,..), economia (circulação do morabitino ou moravedi) .  De salientar que os frades de Moreruela já advogavam e praticavam uma certa forma de assistência social, com contrapartidas em termos de possessões (terras ou outros bens). Durante vários séculos assim foi, até um dia em que a governança se processava com base na frase "Para cá do Marão, mandam os que cá estão", e que por vezes assumia a forma prosaica  `a maneira de Camilo Castelo Branco- ... a canalha governa-se a si própria".
  • D. Dinis viria a conceder a carta foralenga a Miranda do Douro(1286), pondo um ponto final na influência leonesa nesta zona fronteiriça. A partir daqui, Angueira começou a gravitar em torno de Miranda do Douro e com a criação do Bispado ficaria como anexa da Paróquia de Ifanes, sujeita ao respectivo Abade, mas mantendo uma casa paroquial, hoje convertida em palheiro.
II - A actividade económica e a sua administração foi prosseguindo ao longo dos tempos, sem grandes sobressaltos numa base monótoma e sob influência dominante dos eclesiásticos. Vamos ignorar o hiato entre a administração dionisina e o Séc. XIX, em que se produziram, de facto, as grandes mudanças administrativas do território natural com o liberalismo [V. História concisa de Portugal, de J. Hermano Saraiva]. De acordo com este historiador, os pontos altos da legislação do constitucionalismo monárquico foram : a legislação de Mouzinho da Silveira (1832), a extinção das ordens religiosas (Joaquim António de Aguiar, apelidaddo de Mata-Frades, 1834), as tentativas municipalistas e a publicação do Código Civil. Mouzinho da Silveira é, geralmente, lido como homem integro, tendo sido abandonado pelos absolutistas (monárquicos), pois segundo parece seria pedreiro-livre (maçon) e pelos liberais já que diferenciava poder político e bem público, era integro e não demagógico. Qualquer comparação com o estado actual da coisa pública é pura fantasia. Actualmente é tudo gente séria,desvia o que pode, corrompe e é corrompido quanto baste, e não se esquece de pertencer a qualquer loja ou corte para atingir altas virtudes e protecção assegurada. A extinção das ordens religiosas acaba com o poder eclesiástico e os seus proventos. Confisca mosteiros e vende-os ao desbarato. Actualmente, estámos a assistir ao  remake do mesmo filme. O mesmo fervor liberal, resquícios do presente. Sector público uma peste para a economia liberal.
Angueira parece ser uma freguesia a abater pelo Relvas &Comp ª e convém preparar uma resposta nos campos relvados. Houve uma reforma administrativa (Decreto de Regência-Ilha Terceira,1830) que precedeu a de Mouzinho da Silveira (1832). A reforma de MS é centralizadora, sendo o  Reino dividido em  provincias, comarcas e concelhos, geridos por Administradores (Prefeitos, Sub-prefeitos e Provedores) de nomeação régia e apoiados por Juntas electivas (locais). Duas teses que ainda hoje se defrontam : teoria centralizadora ou descentralizadora? Todas as reformas que se seguiram estão marcadas por este ou aquele posicionamento, com prós e contras de parte a parte. Qual é o objectivo final? Melhor forma de sacar dinheiro ao Zé Povinho e a manutenção de clientelas! Dito de maneira mais suave : cobrança e distribuição de impostos. No último quartel do Sec.XIX, foram apresentadas cinco reformas da administração local (1878,1886,1892,1895 e 1900), juntando ainda cinco códigos administrativos (1878,86,95,96 e 1900). Foram objecto de estudo de Marcelo Caetano (desde 1836-1935), fazendo pare d e um curso normal de Direito.
Os códigos de 1878 e 1886 eram favoráveis a uma descentralização sensata. Consideravam os magistrados administrativos como entidades da Administração pública, não dependentes do local, mas estando presentes não estavam num plano omnipresente, já que havia juntas locais em segundo plano. Atenuavam a relacção centro-periferia. Rodrigues Sampaio sintetizou a sua argumentação da seguinte forma" Um bom sistema administrativo deve apoiar-se numa boa divisão territorial, e para melhorar a máquina administrativa local deveria coincidir o concelho com a comarca". Referia três termos "Administração, Fazenda, Justiça" no mesmo local. Em 1878 havia 21 distritos no país continental, 295 concelhos e 160 comarcas. A aplicação directa do critério prático reduziria significativamente  o número de concelhos, e não foi aprovado pela Câmara dos Deputados. Esta argumentação foi rebatida, precisamente na premissa que a supressão de um município constituia sempre um acto de centralização, um acto anti-natural que contraria o desenvolvimento histórico natural do municipio em Portugal, que materializava uma conjunção de interesses locais sagrados. Este ponto de vista foi defendido por vultos culturais de grande craveira como Alexandre Herculano na base de que os poderes locais constituiam a essência do poder democrático. De 1832 a 1887, a administração local oscilou entre centralizadora e descentralizadora. Contra a versão descentralizadora existia um factor importante a considerar: impreparação dos representantes locais (rareavam as pessoas que sabiam ler, e portanto não poderiam representar a dinâmica local e caminhar para o progresso e desenvolvimento do local).  O codigo de 1886 previa a possibilidade do governo fundir concelhos. Como se vê, a reforma liberal, quer num quer noutro sentido, foi amplamente discutida, pelos legisladores, parlamentares, pareceres vários, códigos e outros estudos. Podia ser interessante para os relvas actuais, que ao que parece já não toca nos concelhos para já, mas ataca nas freguesias. Não parece haver grande mal na supressão de Angueira, pois na verdade funcionou com representantes de partido único e só se prejudicou a si própria com essa mentalidade tacanha imposta, por vezes, por mandarins locais. Se é verdade, que estar representada em Vimioso não constituirá obstáculo de monta, já agregá-la ao concelho de Mogadouro - num qualquer pacote, Angueira deve considerar um rotundo não e deve oferecer em contrapartida ao Relvas um burro (animal sóbrio e de inteligente memória, como por lá se define!) que o conduzirá contrariado, em passeio turístico, de Angueira a Mogadouro! Porém o quadrúpede poderá conduzir o Relvas por outros caminhos, já que de espaço rural percebe nada, escolhendo Miranda do Douro ou ainda Bragança, por terras de Aliste.
Na década de 1880, havia uma corrente dominante para a associação de municípios. Remetemos os leitores para a análise deste período complexo da vida política, mas que tem a vantagem de apontar vários argumentos pró e contra. Houve quem defendesse a ideia de diferenciar os municípios , pois :" para efeitos administrativos , os municipios urbanos- próximos do governo, tem de fazer face a necessidades e meios financeiros superiores, por oposição a municipios rurais, cujo núcleo central é a igreja, baseada em interesses balizados por uma vida simples e interpendências simples de familias, maioritariamente católicas".
A questão do financiamento municipal é a base de todas as guerrilhas legislativas. Em 1872, Rodrigues Sampaio pretendeu impor alguma racionalização na divisão do território, mas não alterava o regime financeiro dos munícipios. A equivalência entre concelho e comarca foi rejeitada no Parlamento.  O código de 1878 atribuiu poderes  as camaras faculdades tributárias, em matéria de impostos indirectos, estendendo as possibilidades de tributação de artigos expostos -retalho, para artigos por grosso. Estes impostos acresciam aos impostos de carácter geral. Esta aventura durou dois anos, devido a desmandos da administração local. E aqui surge um dos retratos da situação actual. Luciano de Castro em 1880 dizia"  A ilimitada liberdade concedida às camaras para lancarem impotos, ..., estabelece de concelho para concelho desigualdades incomportáveis no ónus tributário..."  Só conduziu à desordem financeira , de criar dívidas incontroláveis ... necessidade imperiosa de tomada drástica de medidas para o saneamento geral da contabilidade pública ... credores à perna (ingleses) ...bancarrota. Este filme é actual, só que a despesa actual não provém essencialmente da administração local mas da vergonhice da falência de bancos privados e de  buracos financeiros mal contados! Um relatório de 1892, indica claramente " ... O tesouro não pode continuaer com o encargo de suprimentos a que o estado actual obriga, e o contribuinte , se não poe termo à desvairada tributação com que o perseguem as corporações locais, desde a Junta de Paróquia ate à Junta distrital, ficará exausto de recursos, e nem para o caso supremo da salvação pública haverá, dentro de pouco tempo, matéria colectável no País".
Foram apenas aflorados alguns aspectos da reforma administrativa no Sec. XIX.  Passos & Passos cantarola músicas antigas. Por esta época, os conceitos de unidade e solidariedade nacionais são invocados para fundamentar os príncipios sagrados "da escola liberal" associada aos "principios descentralizadores sem regras". O Zé Povinho nunca foge de malhas e redes artilhadas: libertou-se do tributo aos mosteiros, caiu na de váriados senhores possidentes, caiu na malha liberal- centralizadora ou descentralizadora, dos odiosos impostos municipais, libertou-se destes e caiu de novo sob alçadas de troikas antigas e modernas.
De 1878 a 1910, apesar de tudo os municipios defenderam-se como puderam, ganhando um pequeno poder  a nivel local apesar de antigos senhores das finanças públicas, como J.Ferreira Dias, quase lhe tivessem passado um papel de entidades descartáveis. De notar que o conceito de freguesia só surgiu com a República, confundindo-se praticamente o conceito de paróquia (eclesiastica)n com a paróquia civil, hoje designada por freguesia ( com algumas anexas). O desenvolvimento recente é conhecido da maioria, pelo que não será referido.
Conclusão : Traçou-se um percurso histórico da administração de Angueira, em pinceladas largas e parcelares. Não é do nosso conhecimento, uma vinculação permanennte a Mogadouro e nos tempos actuais não faz sentido qualquer tipo de subordinação a Mogadouro, incluindo o tema florestal.. Os governantes de Lisboa , autênticas iminências virtuais, não sabem o que significa uma deslocação a Mogadouro e são efectivamente mais potenciadores bombistas sociais que podem levar a um qualquer Maio de 68. Porque não reclamar um automóvel individual, um autocarro de luxo para a deslocação? Dependência de Mogadouro, não! Os taxis da região devem ser entregues a esses iminências já que permitem  o deslocamento por caminhos ínvios e evitam as auto-estradas transmontanas cuja factura recusariam pagar se tivessem poder absoluto. Para já ainda não têm, e com esta governança, nunca passarão de míseros  cobradores de fraque .

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