quinta-feira, 21 de julho de 2011

O passado pre-romano do Castro da Cocolha ...

O Castro da Cocolha tem os seus segredos que o tempo caprichosamente esconde. Não tendo uma apresentação demasiado apelativa e cativante, não impede todavia de interrogar o seu passado. Castros similares, construídos em tempos proto-históricos, permitem lançar alguma luz. Existem livros de referência que permitem balizar tempos antigos (V.g. Portugal Romano, de J.Alarcão; Portugal- das Origens à Romanização (Nova História de Portugal (Vol.1) J.Alarcão et al.) e uma pleiade de académicos que têm dedicado o seu esforço e vida ao estudo destas questões. Como tudo na vida, há progressos, mas não há uma  chegada conclusiva à descrição  fidedigna desses tempos remotos. É neste contexto que temos de nos mover. Os sítios arqueológicos referenciados em Angueira são descritos deste modo:

1 - Cabeço da Cocolha
Localização: Cocolha, Angueira
Descrição: povoado fortificado assente em esporão, com sistema defensivo composto por duas linhas de muralha concêntricas. Vestígios evidentes de romanização, incluindo epígrafes, e de ocupação alti-medieval.
2 - Castro do Gago
Localização: Gago, Angueira
Descrição: povoado fortificado implantado num esporão, defendido por uma linha de muralha de perímetro subcircular.
3 - Araúja:
Localização: Araúja, Angueira
Descrição: provável necrópole relacionada com a fase de ocupação romana do Castro da Cocolha.
4 - S. Miguel
Localização: São Miguel, Angueira
Descrição: povoado romano e medieval instalado nas vertentes suaves de um vale, sendo observáveis cerâmicas de construção e de uso doméstico das duas épocas, bem como vestígios associáveis às respectivas necrópoles, nomeadamente epígrafes.

Relativamente ao que já se escreveu,confirma-se a existência de muralhas defensivas no Castro da Cocolha por esta outra via, o que adensa a certeza. Será lógico admitir que, quem escreveu as linhas transcritas em 1 e 2 terá conhecimento da sua localização, mas este facto deve apenas ser conhecido de alguns deuses. Quanto ao Castro do Gago, confirma-se o texto, já que a muralha é perfeitamente visível. Há um problema de base que consiste na sua datação aproximada. Talvez, a única coisa que tenha sentido, por ora, é admitir que  o do Gago é anterior ao da Cocolha.
Um dos expoentes máximos da cultura castreja é o Castro de Sanfins (Paços de Ferreira), a par com a Citânea de Briteiros.

Fig.1 - Citânea de Sanfins
 A boa visibidade de qualquer castro é uma das caracteristícas básicas. Ora o da Cocolha tem por horizontes longinquos, por um lado a Serra de Nogueira (Bragança) e, por outro , os chamados "Cimos do Mogadouro". Há referências de possíveis comunicações entre os castros, admitindo-se o controlo do fumo como elemento fácil de comunicação. As mensagens poderiam ser facilmente enviadas e recebidas. Esta observação é importante, já que permite, de certo modo admitir que o Castro da Cocolha pertenceria a  uma zona geográfica única. Faz parte do noroeste oriental transmonstano, e faz parte da zona do Planalto Mirandês. Este Planalto é limitado pelos rios Douro e Sabor, correndo em depressões profundas (equivalente aos canyon americanos).  Há controvérsia sobre a abrangência territorial de Trás-os-Montes e da limitação das  partes: Terra Quente e Terra Fria. A estes factos, há ainda que juntar o desconhecimento do clima em toda a área, nos tempos proto-históricos de que estamos a falar. São tempos muito anteriores à Nacionalidade e, claro faz naturalmente parte da antiga Ibéria ou Celtibéria, onde apenas as fronteiras naturais contam e as fronteiras políticas ainda não existiam.  O achado de estelas romanas similares na zona planáltica mirandesa, permite com certo grau de probabilidade enquadrar o Castro da Cocolha nesta sub-zona da Terra Fria transmontana (Planalto Mirandês). Os estudos arqueológicos tem sido essencialmente dirigidos para a parte Centro e Sul do Portugal actual. Até que ponto a parte Norte  teve contacto com o Sul (abaixo do Douro) é controverso. Os estudos arqueológicos recentes do Norte do país actual (Minho,Trás-os-Montes, Alto Douro) enquadram-se no que se designa por "Noroeste Peninsular", abrangendo não só as regiões portuguesas referidas mas também a região da Galiza e região Cantábrica. Porém, estas regiões apresentam certas especificidades comuns, embora outras sejam irreconciliáveis. Há todavia, no período em causa, uma tipificação de um certo modo de vida e que é materializado na descrição da" Cultura Castreja do Noroeste Peninsular". Os casos mais representativos são o da : Citânea de Briteiros e   de Sanfins, referidos. O Castro de Santa Tegra está localizado na Galiza. A foto aérea acima (Fig.1) permite ver o grau de organização, a estrutura social e , através dos artefactos achados nas habitações, o seu grau de desenvolvimento tecnológico. Este  aspecto não deve ser  de todo menosprezado. É o modelo de  estrutura social que prevalece nos castros do dito Noroeste Peninsular, tendo sido contabilizados cerca de 7000. O interessante da questão é que, a estrutura social de pequenos castros (tal como o da Cocolha) é aparentemente muito semelhante, descontadas as especificidades de cada um. Em geral, os castros progrediam ao longo do curso dos rios. Em particular, a Cocolha é um dos existentes no rio Angueira:, quase todos de caracteristicas similares ( Gago, Algoso, São Martinho, Alcanices) ou de rios próximos (Santulhão).
A romanização do Castro da Cocolha está bem patente nos artefactos cerâmicos, metálicos e nas estelas, trazidos à luz do dia sobretudo no início do século XX (1900). Ora, se o Castro já era habitado antes da chegada dos Romanos, levanta-se a questão de saber como lá chegaram e quais os seus próprios antepassados. Tentar explicar, sem floreados ou mero palpite, é imperativo. Não existe resposta definitiva, e temos mais uma vez de invocar os conhecimentos arqueológicas estabelecidos para o Planalto Mirandês, não esquecendo as hipóteses discutidas por J. Alarcão para o aparecimento da Cultura Castreja no Noroeste Peninsular.
 Em torno de Angueira, existem dois casos conhecidos de monumentos sepulcrais: a existência de tumulli (sepultura individual ou colectiva). São conhecidas por mamoas da Marmolina (aldeia de Malhadas) e da Campina (Genísio). Aponta-se como época provável o periodo corresponte ao Neolítico Final-Calcolítico (ou seja transição dos artefactos de pedrapolida  para o cobre). A juntar a estas duas (ambas muito degradadas) existem outras mamoas no distrito de Bragança. As mais estudadadas mamoas,abaixo indicadas, foram datadas com recursos a datação pelo método do carbono C14. São elas :
  • Mamoa 3 de Pena Mosqueira (Mogadouro) : datação : 2980 anos (A.C.)
  • Barrocal Alto (1º.ocupação) : datação : (3010+/-75 ) anos (A.C.)
  • Barrocal Alto (2ª.ocupação): datação : (2450+/-45 ) anos (A.C.)
De acordo com o estudo e o suposto povoado,  as datas indicadas apontam para as primeiras comunidades neolíticas, os períodos correspondentes ao final do IV - Milenio (A.C) e o início do III (A.C.) . Para o mesmo período, parece haver dois tipos de assentamento: um habitat em terreno mais ou menos plano,com um alcance visual limitado por colinas, e um outro de pequenos assentamentos em esporões de rios em montanhas de altura média. Parece não diferirem grandemente, sendo a vida comunitária orientada para o principal tipo de actividade. As zonas planas (hoje ocupadas por zonas de produção de cereais (sequeiro) ocupariam as zonas potencialmente mais produtivas, de melhor aptidão agrícola. Os povoados seriam potencialmente mais expostos ao exterior e a perigos imprevistos.  A contemporaneidade carece também de ser estabelecida.
Os resultados não podem ser extrapolados tout court, mas permitem estabelecer com certa fiabilidade a o periodo de implantação dos primeiros habitantes na região. Porém como cada caso é um caso, há castros como o de Aldeia Nova (Miranda do Douro) em que os artefactos encontrados permitem reportar também o seu povoamento continuado desde o final da Idade do Bronze, passando pela Idade do Ferro e  período mais  recente da romanização.
O desenvolvimento de centros proto-urbanos, de média dimensão, e da comercialização de alguns minérios deu azo ao aparecimento do poder político. Uma descrição mais pormenorizada pode vêr-se nas referências indicadas. Estes povoados já são muito distintos das pequenas comunidades , dispersas, e de matriz agro-pastoril. Em geral, as necrópoles destas citâneas privilegiam o carácter individual da sepultura, enaltecendo a a heroicidade dos seus chefes guerreiros. As pequenas comunidades dispersas atingiram o seu pleno desenvolvimento com a utilização do bronze, rompendo claramente com o modelo gregário de caçador-recolector, e na estrutura social baseada em torno das práticas agrícolas e cerealíferas e da produção de animais.
Em voo de pássaro, nos finais do 2º.milénio (A.C.) o domínio e conhecimento da metalurgia de ferro veio alterar radicalmente o mundo mediterrânico e europeu. Atribui-se uma influência mediterrânica à parte centro e sul do País, veiculada pelo Mediterrâne, e uma influência mais continental (meseta ibérica) ou europeia à parte do Noroeste Oriental (Planalto Mirandês).
Como texto já vai longo. continuar-se-à a descrição mais tarde. Gravitará em torno de objectos reais encontrados no Castro da Cocolha, nomeadamente a fíbula representada na Fig.2.



Fig.2 - Fíbula de bronze do Castro da Cocolha.
 Conclusão: Antes da chegada dos romanos já o Castro tinha um passado largo. Os artefactos lá encontrados  permitem avançar um pequeno passo na descrição do seu habitat.

Sem comentários:

Enviar um comentário